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tambor emocional

16 maio

Que foda o show do Otto. Um terreiro pop para despacho emocional. Todo mundo torcendo para ele continuar com o coração partido e lançar outros vários discos com a mesma densidade de “Certa Manhã Acordei de Sonhos Intranquilos”. O homem perde alguns de seus principais valores na vida (mulher, parentes, prestígio, apoio…), chega ao fundo do poço e se descobre livre para poder cantar e rugir o que bem entender. O desapego canalizado no pandeiro invisível de Otto e suas composições. Ele continua o mesmo no palco, com o molejo do terreiro e as insistentes tentativas de comunicação com o público… mas tem o peito estufado de um homem que esteve na merda e superou tudo.

Otto vem bem acompanhado. Especialmente na apresentação de Curitiba (15/05) que contou com a participação de BNegão na faixa “Cuba” (deixando no chinelo as rimas de Chorão – ele mesmo – do disco “Condom Black”) e a seleção absurda de músicos em sua banda. Ecos de Nação Zumbi, 3namassa, Cidadão Instigado… Depois de testemunhar Fernando Catatau chorando com a guitarra no palco, eu mudei meu conceito de lamento na música. Vou pensar várias vezes antes de usar o termo em qualquer outro texto.

A carga emocional não é perdida quando eles resolvem resgatar alguns clássicos da carreira do galego de Olinda… com uma cara mais “intranquila”. Mesmo que seja a história chapada de uma menina, seu noivo e um baseado na praia.

“Sketches of Sao Paolo” (punx e o jazz)

3 dez

foto de Fabio Ahmad

Guizado é mais um sinal dos tempos. O projeto paulistano encabeçado por Guilherme Mendonça já entrou para o ranking de melhores do ano com o lançamento do disco “Punx”. O motivo? Bom, só em uma primeira escutada lembra a ousadia do álbum “Bitches Brew”, de Miles Davis, com a sujeira pós-moderna do duo francês Justice. Mas como eu disse, isso em uma primeira escutada. 

Eu sempre reclamei sobre a tal vanguarda do jazz. Esse bendito gênero que tem a capacidade de conviver com diferentes períodos ao mesmo tempo em um ciclo atemporal. Diálogos entre presente, passado e futuro, com novas produções que passeiam pelo swing, bebop, free, cool, fusion e eletrônico, sendo lançadas todas as semanas. Para ouvir isso eu prefiro continuar com os clássicos. Sem nenhum ressentimento. Só Miles Davis produziu material para uma vida inteira de descobertas musicais. Duke Ellington, Mingus, Coltrane, Monk, Piazzolla, Jobim e alguns outros ilustres também já são mais do que suficientes para outras vidas. Qual o motivo para eu e você nos desgastarmos com novidades que rascunham mais do mesmo? E o gênero eletrônico tem que tomar cuidado… já está caindo em um lugar comum que ofusca seu brilho inicial dado nos últimos sopros de Miles (de novo ele).

Porém, novas frentes jazzísticas que merecem atenção surgem em Quioto, Berlim, Chicago (material para outras conversas) e São Paulo. Ah, São Paulo… talvez a grande inspiração para o Guizado. Mas será que “Punx” é um disco de jazz? Uma produção que aponta uma nova etapa do que pode ser feito em um dos principais estilos musicais, surgidos no início do século passado e responsável por tudo o que escutamos hoje? Tudo mesmo. Perguntas e mais perguntas que só tornam o trabalho de Guizado mais intrigante.

“… Guizado is not jazz” é a resposta para uma das perguntas que está presente em um texto inicial de sua página do Myspace. De fato, ele não é… mas ao mesmo tempo é. Não carrega nenhuma convenção do estilo… mas o espírito esta lá, capaz de conviver com uma babilônia sonora… mas não “organizar”. Os sons surgem naturalmente. A trangressão, o uso dos instrumentos e sintetizadores a favor da música, longe de virtuosismos punhetais e egoísmos típicos de um frontman qualquer que sofre de “paulemolência” (como diria Lobão). Mendonça, teoricamente, é o principal figura dessa história e em alguns momentos só entra para dar uma pincelada nas cores da música. Isso já é jazzy o suficiente.

Ele também esta longe da figura estereotipada do jazzista. Nada de ternos alinhados ou roupas hippies, chapéu e discretos óculos escuros, como ele mesmo assume em uma entrevista dada para a +Soma, que pode ser vista aqui. Entra em cena a calça larga e o boné típico do hip hop. Assim como em suas músicas. Junto com o rock (e o post-rock), sons latinos, africanos, psicodelia e batidas eletrônicas. Cai Duke Ellington como despertador musical e entra Jimi Hendrix. Kerouac flutua com suas idéias. E São Paulo se ouve ali. O noir esfumaçado é substituído pelo graffiti colorido. Isso tudo você pode ouvir em suas declarações lá no vídeo da +Soma (de novo, aqui).

Por isso Guizado é um sinal dos tempos. Capaz de assimilar toda uma herança musical e mais do que diversificada do século XX, com ecos de uma vanguarda paulistana e muita personalidade. Ele conseguiu resumir o (bom) som da capital paulista em um disco. Lá você pode identificar o rigor distorcido do Hurtmold, junto com melodias arrastadas do Cidadão Instigado; a atitude do Instituto e a sagacidade do Curumim. E garoa. Isso também acontece porque ele chega acompanhado por músicos integrantes das bandas citadas. Curumim é o responsável pela bateria, dividida com M. Takara durante as gravações. Ainda conta com o baixo de Ryan Batista e Regis Damasceno na guitarra – ambos do Cidadão Instigado – o acompanhando nos shows.

Trilha para um passeio do Blade Runner pela Rua Augusta enquanto policiais sacam as “primas” que passam em frente ao Ibotirama, e ouvem Fela Kuti ao lado de uma mesa cheia de meninas tatuadas. O caos e a solidão em clima futurista de festa e batuque. “Punx” é pós-moderno pacas (e isso está longe de ser uma observação cabeçuda). Um bê-a-bá para jovens e veteranos em campos experimentais.

A faixa “Rinkisha” mais entrevista no Tramavirtual.

“gameboy”!

 

(alguém sabe de quem é o crédito da foto que abriu o texto? o denis, inmwt, descobriu!)